Por Feres Sabino
A perversidade, perguntada sobre sua idade, responde que nasceu com o ser humano. E ela sempre é desproporcional ao desafio que se lhe antepõe. A perversidade é a inquilina do ódio e sua conclusão é a do ódio em estado de plenitude.
E, quanto aos povos originários, os que habitam a terra desde tempos imemoriais, eles seriam perversos nas lutas entre suas tribos ou se combatiam nos limites impostos naturalmente pelo espírito influenciado pela harmonia da natureza, seus ritmos, seus silêncios, seus ruídos?
Ninguém sabe responder adequadamente a essa pergunta. O que se sabe com certeza é que esses povos antiquíssimos souberam cuidar das árvores, das plantas, dos peixes, das águas, numa sincronia ardorosa com as estrelas, o sol, a lua, o universo, na crueza de qualquer conhecimento além do que viam e sentiam e criavam aqueles seus protetores e seus deuses.
Era um padrão civilizatório, que a vida e sua experiência lhes indicavam.
Até que o homem branco, em busca de riquezas fáceis e de terras a serem colonizadas invadiram o santuário desses povos originários, enganando-os às vezes, como se fossem mensageiros do céu, para torturá-los buscando a confissão de onde estariam as minas sagradas de ouro ou simplesmente os matavam, estuprando suas mulheres, quando não fazendo-os escravos, na ausência do braço negro.
O desafio da permanência dos povos originários nas suas terras, face à volúpia de desbravar e desmatar, que é mais forte do que o sentimento de convivência pacífica, deve orientar a vida de qualquer sociedade e ainda sem pretender civilizá-los pelas armas e pela arrogância branca, que nem mérito reconhece nessa cultura antiga de tantos saberes a serem transmitidos.
A relação desses povos com a natureza silenciosa e mágica é um campo de experiência científica para um mundo mais humano, por exemplo, com o uso das plantas medicinais emergentes. A indústria já retirou tantos insumos desse território, muitos até já aproveitaram dessa ciência, mas ainda assim não aparece o sentimento de cooperação, mas atitudes de dominação disfarçada.
O que se espera é que a perversidade, que ataca de várias maneiras esses povos, seja dominada por políticas públicas de justiça, nas quais todos os autores dessa realidade sejam contemplados por vertente do como viver, respeitando as circunstâncias da vida e as pessoas de diferentes etnias, que se entrecruzam pelas esquinas do tempo.
O homem branco precisa tomar consciência de que ele não é homem da floresta e sua derrubada, que ele assume como vitória do desenvolvimento, é uma desumanidade em ritmo de retrocesso.
A Constituinte de 1988, a mais democrática da história constitucional do Brasil, reservou o artigo 231 para dar garantia de vida aos povos originários, preservando sua existência, cultura e território. Cabe a cada um de nós a construção de um tempo de convivência pacífica, vencendo a alienação, a ambição de posseiros, latifundiários, mineradores e destruidores da floresta, como se no Brasil nossas terras, e são tantas e tantas, não possam inspirar experiências sociais, em nome da paz e da justiça.
Feres Sabino é advogado, jornalista, orador, coordenador da Secretaria Geral da Diretoria Executiva da AFPESP e ocupante da cadeira nº 12 de Letras da Academia de Letras, Ciências e Artes (ALCA-AFPESP).